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10/02/2022 às 10h44min - Atualizada em 10/02/2022 às 10h44min

​A pandemia da covid-19 está virando endemia

Discussão sobre mudança de classificação da situação da covid-19 tem ganhado força, mas OMS e especialistas alertam para riscos

Em janeiro, o Ministério da Saúde começou a discutir a possibilidade de rebaixar a classificação da pandemia de covid-19 para uma situação de endemia. Mas o que significaria o fim, ao menos em termos oficiais, da pandemia? Nesta matéria, explicamos o que diferencia uma pandemia de uma endemia, quais as repercussões e quais os riscos dessa mudança de classificação.

A biomédica Mellanie Fontes-Dutra, coordenadora da Rede Análise Covid-19 explica que endemia é a classificação dada para uma doença constante e estável em uma população de uma região. “Endemia é quando a gente tem uma situação relacionada à transmissão de um agente infeccioso em que basicamente a gente não vê um aumento grande ou uma diminuição grande em suas taxas gerais. Numa situação endêmica, a gente não vê uma explosão de casos. Cada caso geraria um novo caso e isso vai se mantendo ao longo do tempo”, diz

Um exemplo de doença endêmica é a gripe (influenza). Eventualmente, pode ocorrer um surto, mas a tendência é o vírus ter comportamento conhecido e previsível ao longo dos anos.

A epidemia ocorre quando há um novo vírus se espalhando rapidamente ou aumento expressivo e fora do padrão de uma doença em uma determinada população. Por exemplo, o vírus Zika no Brasil em 2016. A ocorrência simultânea de diversas epidemias de uma doença a nível continental ou global é chamada de pandemia. “A doença pandêmica é quando eu tenho vários epidemias em vários lugares ao mesmo tempo. Eu tenho surtos em vários países, continentes ou mesmo no mundo inteiro”, diz Mellanie.

Airton T. Stein, professor de Epidemiologia na Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFSCPA) e médico de família e comunidade do Grupo Hospitalar Conceição (GHC), explica que para compreender qual é o estágio de uma pandemia é preciso avaliar o papel da vigilância epidemiológica, que é um procedimento específico para detectar desvios de frequência em fenômenos.

“O monitoramento de rotina do número de mortes e de casos novos por covid-19, assim como outras doenças, como a influenza tem sido utilizado como sistema de alerta precoce para a identificação de epidemias do covid-19 e da influenza. A vigilância epidemiológica também pode ser utilizada para outras condições de saúde e não apenas em doenças infectocontagiosas, como por exemplo, uma mudança no peso médio das crianças, que é um sinal de alerta precoce de deficiência nutricional. Quando o número de casos se estabiliza e não tem um grande número de casos novos, o termo epidemiológico para isso é endemia. Como está ocorrendo ainda um grande número de casos novos, ainda estamos frente a uma pandemia – considerando que o número de casos novos ocorre em todo o mundo”, diz.

Por outro lado, a biomédica alerta que há doenças endêmicas que seguem sendo perigosas. “A malária é um exemplo de doença endêmica, mas é uma endemia muito complicada, principalmente em países de baixa renda, porque tem um número muito grande de hospitalizações e de óbitos, também por conta da situação em que esses países se encontram. O alerta que eu faço é esse, a endemia não significa um cenário inofensivo. O cenário só vai ser inofensivo se a gente trabalhar para isso”, diz.

Endemia?
Na prática, a mudança de um cenário de pandemia para endemia significaria que a covid-19 está estável, sem a possibilidade de numa nova explosão de casos e, de alguma forma, controlada. Com a desaceleração dos casos no segundo semestre de 2021, alguns países e mesmo estados brasileiros, como o Ceará, começaram a discutir a covid-19 em termos de endemia. Contudo, a aparição da variante ômicron, que surgiu na África do Sul em novembro e antes do final já se tornara prevalente no mundo, incluindo no Brasil, adiou essa discussão em escala mais ampla.

Em 13 janeiro, a Organização Mundial da Saúde (OMS) alertou que a discussão, que também vem ocorrendo em outras países, ainda era precoce. “Embora a ômicron cause doenças menos graves que a delta, continua sendo um vírus perigoso, principalmente para aqueles que não são vacinados”, disse o diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, em conferência de imprensa. “Não devemos permitir que esse vírus tenha passe livre ou acenarmos a bandeira branca, especialmente quando tantas pessoas ao redor do mundo permanecem não vacinadas”.

Para o professor Stein, não é possível dizer quando a covid-19 deverá se tornar uma doença endêmica. “Percebemos que estamos tendo uma experiência nessa pandemia como em uma montanha russa, onde não sabemos o que irá acontecer no momento seguinte”, diz.

Stein avalia que o risco de se considerar que a covid-19 está se tornando endêmica é ignorar a possibilidade do surgimento de novas variações, especialmente em países em desenvolvimento e onde ocorre uma baixa cobertura vacinal. Ele destaca também que a grande subnotificação de casos positivos de covid-19 dificulta a avaliação do cenário. “Esses fatores levam a termos uma dificuldade para que possamos planejar uma política pública nas próximas etapas”.

Mellanie Fontes-Dutra diz que a discussão sobre endemia é motivada por um desejo de “normalização” da vida em meio à covid-19 e mesmo uma forma encontrada pelas autoridades para evitarem tomar medidas de controle da disseminação do vírus para além do oferecimento da vacinação. “Muitos tomadores de decisão olham para a palavra endemia para justificar o muito pouco ou o quase nada que está sendo feito nesse momento. E, ao mesmo tempo, entrega uma mensagem não é a correta para a população, de que a pandemia está para acabar e não precisamos nos esforçar tanto”, diz.

Ela também avalia que não é o momento de se falar em endemia, uma vez que as taxas de contaminação, hospitalizações e óbitos estão nos maiores níveis desde meados de 2021. “No momento que a gente visse que ficou sem grandes aumentos e diminuições ao longo de um tempo, em valores mais baixos, aí a gente poderia estar pensando (em endemia). O problema é que começou a subir de novo e ainda está subindo”, diz.

Para a biomédica, o perigo de se falar em endemia é naturalizar uma situação que ainda está longe de ser controlada, mesmo que ocorra uma eventual que nas taxas de transmissão, novos casos e óbitos nas próximas semanas.

“É como se a gente tivesse numa canoa em mar aberto, sem leme ou coisas que nos ajudassem a remar, e dar um rumo, porque a gente quis. Vai ter momento que as ondas vão estar calmas e vamos até poder vislumbrar dias bonitos, mas a gente sempre vai estar suscetível a uma grande tempestade que pode ocorrer a qualquer momento. A gente abriu mão de realizar políticas públicas assertivas e, por algum motivo, a gente não viu uma atuação forte baseada em evidências. Então, o nosso barco não é preparado para uma grande tempestade.”.

Outro perigo é que a estabilidade na transmissão, o que caracteriza uma endemia, poderia ocorrer em patamares preocupantes de novos casos e mortes registrados diariamente. “Se a gente tiver perto de uma situação endêmica, mil óbitos por dia é uma situação muito ruim, muito ruim mesmo. Mas, ao mesmo tempo, se a gente estiver longe da situação endêmica, significa que a gente ainda levará mais um tempo para sair dessa situação e começar a vislumbrar o fim da pandemia no País.”

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